"Entre dois Mundos"

"Entre dois Mundos"

sábado, 31 de agosto de 2013

Fale com Ela!

Pensara em escrever através de metáforas, mas desistira. A vontade de expressar sua angústia, seu sofrer, sua indignação fora tão grande que não conseguira encontrar metáforas capazes de substituir as personagens deste drama que se desdobra no presente momento.

Sem compreender porque arrancaram de si seu "melhor amigo" e arrimo de família, não tivera tempo para lástimas. Comprara uma bicicleta velha e pusera-se a trabalhar, pois as contas não parariam de chegar por ela ter sido roubada.

Sem compreender porque fora sutilmente expulsa do núcleo cristão onde inserira seu filho para que o mesmo reacendesse o fogo da Fé em seu coraçãozinho; onde sentira-se feliz - sentada naquela cadeira de madeira desconfortável - ao lado de seu filho e de outros tantos jovens ávidos por conhecimento e necessitados de orientação a fim de enfrentarem esse "mundo cão", voltara ao lar com os olhos cheios de lágrimas, pedalando e  lembrando-se das palavras dos dirigentes do grupo - onde começara a interagir - dizendo-lhe, asperamente, que estaria causando constrangimento ao seu próprio filho.

Não conseguira e nem tentara entender porque tantos fatos bizarros estariam acontecendo - simultaneamente - em sua vida.  Só pensara em alcançar um objetivo: o de se estabelecer. O de ter estabilidade a fim de dar uma vida digna ao seu filho.

Nada mais importara além de assegurar um futuro promissor ao adolescente que passara a torturá-la, mesmo que sem querer, ainda que não pronunciasse uma só palavra. Conhecera-o perfeitamente a ponto de apostar que um dia sua Luz voltaria a brilhar. Seu sorriso voltaria a iluminar seus caminhos e abrir portas. Não desistiria dele, ainda que as Trevas lhe dissessem o contrário.

Não desistiria de amar aquela mulher que - esquálida - deitada em seu leito, tendo como sua única companheira fiel, uma gata que pressentia sua morte, e outros companheiros indesejáveis.

Cansara-se de ser pisada. Cansara-se de curvar-se diante do ímpio! Do sujo! Do podre, fétido, nauseabundo!

Pensara ter visto a Luz naquela que jaz em uma cama com odor de urina. Enganara-se.

Pensara ter visto dignidade no homem que - por alguns dias - enganara a todos. Mas, como se diz por aí, não se engana a muitos durante muito tempo.

As máscaras caem. O Mal ressurge mais forte ainda, faminto. 

O Mal anseia por discórdia, por desarmonia, por destruição.

Ele voltara! O Tirano jamais fora embora. Apenas escondera-se tão perfeitamente que não fora visto por olhos atentos.

Olhos que esperavam por milagres. Por mudanças.

Olhos que viram com horror o olhar embaçado do insano, maldito, desleal a cuspir-lhe - literalmente - na face, palavras de ódio, de desrespeito, sem que soubesse o motivo de estar sendo violada, aviltada, porém, jamais humilhada. Sabia-se distante de ser a mulher desenhada por aquele Tirano enlouquecido, alcoolizado, obsediado que a agredira fisicamente por inveja ou ciúmes! Ciúmes!? Não!

Ciúme é fruto do amor. Amor que aquele monstro nunca sentira por ninguém. Sequer por ele mesmo. Pobre pai.

Sentira inveja de sua filha que nunca precisara dele para sobreviver. Para sustentar seu filho. Para educar e orientar o ser que mais ama no mundo.

Inveja - sentimento baixo e vil - típico dos pequenos de espírito. Inveja daqueles que veem no próximo a evolução que jamais conseguirão alcançar por acharem-se mergulhados na lama. Lama que os alimenta. Que os acolhe. Que os esconde da Luz que poderia salvá-los.  Mas os vermes não enxergam. Apenas seguem o fluxo, destruindo tudo o que veem pela frente.

Destruindo vidas, sonhos, sorrisos.  O Tirano voltara. O Tirano jamais fora embora.

O Tirano apenas distraíra-se com a amante sem pudor, sem escrúpulos.  

No entanto, até a "inescrupulosa" entendera o objetivo do Tirano, jogando-o fora como um trapo inútil, pois o Tirano não passa disso.  De um trapo inútil, insensível, imbecil, estúpido e burro.  Não soubera dissimular. Não soubera jogar o jogo dos inteligentemente oportunistas.  

Fora jogado no lixo, de onde jamais deveria ter saído.  

Agora - livre - avilta, agride, ameaça, escurece a vida dos que com ele convivem.  E, infelizmente, "aquela que nunca fora amada" e nunca soubera amar está em suas mãos (por vontade própria), enlouquecendo, enfraquecendo, morrendo dia após dia, sem que ele - o Tirano - permita que ela seja bem tratada por aqueles que ainda a amam.

Doera em mim ouví-la dizer quando - com receio - invadira aquela casa de sombras:

 "Que anjo te trouxe aqui, Maria?".

Dói em mim vê-la chorar - já sem controle - com medo da morte que está mais próxima do que nunca.

Dói em mim sentir que ainda nutre paixão mórbida por aquele que arruinara sua vida e a afasta de suas filhas e netos, dia após dia.

Dói em mim, sentir que não poderei visitá-la por não suportar aquele olhar de ódio de um homem que um dia fora chamado de meu pai e que não hesitara em me atacar como um cão raivoso ataca seu dono.  

Ainda vejo seus olhos cheios de ódio fitando-me com um misto de maldade e ironia.

Lera em seus olhos negros como os de um demônio a inveja daquela que evoluíra - ainda que minimamente. Daquela que soubera transformar a dor em amor. Daquela que soubera esquecer o mal que ele ( e sua comparsa) praticara durante mais de 40 anos e ainda dominar a "arte de sorrir cada vez que o mundo diz não".



Se eu pudesse escrever a história daqui por diante, escolheria um fim mais feliz àquela que nunca soubera amar e faria com que o Tirano pagasse ceitil por ceitil, ainda aqui na Terra.

Mas eu não preciso me preocupar com isso. Ainda acredito na Lei do Retorno.  Ele haverá de ser empurrado contra a parede assim como fizera à sua filha, à toa.

Se eu pudesse reescrever a história, imploraria àqueles que ainda amam "aquela que nunca soubera amar" que sussurrassem em seus ouvidos que conhecem seus temores e que estão ao seu lado.

Pediria a um bom anjo : "Fale com Ela!".  Diga-lhe que está ao seu lado. 
Ela sucumbe - sozinha - remoendo seus pecados, recebendo a falta de amor que durante esta vida cultivara. Por favor...

"FALE COM ELA!"

07/09 - 09:25

sábado, 10 de agosto de 2013

"...o que é de Cesar."

Há um ano atrás jamais poderia imaginar o que ora escrevo. Há um ano atrás não possuía sentimentos positivos por aqueles que me puseram neste mundo confuso, estranho, cinza, triste e, ainda, difícil de se habitar.

Quem poderia supor que o ex-tirano, recém-redimido, tornar-se-ia o companheiro fiel das últimas horas "daquela que nunca fora amada" até então?

Quem poderia imaginar que os antigos comparsas, em vidas passadas, estariam frente à frente, nos últimos dias da antiga "Senhora de Engenho" que costumava arrancar os bicos dos seios de suas escravas - amantes cativas - a fim de não alimentarem os frutos da união com aquele escravo a quem ela - a Senhora - desejara enlouquecedoramente há alguns séculos passados?

Deus! É tudo tão esclarecedoramente triste! Tão desconcertantemente correta a Lei do Retorno, em alguns casos que, a dor - imensa dor - de ver dois seres que acompanharam meus passos, ainda que de longe, sofrerem e - finalmente - aprenderem com seus sofrimentos que ninguém é de ninguém, parece-me surreal.

Aprenderem que o ódio aprisiona. Que a mágoa adoece. Que a deslealdade massacra tanto a vítima quanto o verdugo. Que somente o Amor liberta e faz crescer...

Quantos séculos serão necessários para que aprendamos a não precisar perdoar por não nos sentirmos ofendidos?

Após 44 anos de vida, vira a crueldade, a infidelidade, o rancor, o ódio, a mágoa, a doença decorrente de tais sentimentos.

Vira a insanidade dos desleais, a revolta dos traídos e esquecidos.

Vira um corpo murchar em vida por sentir-se jogado fora.  Ouvira o silêncio dos injustos. Vira a queda de um tirano. Vira a transformação do ódio em uma piedade ainda que com leves toques de ressentimento.

Falara o que estava guardado há anos. O que me tornara o ser errante que hoje sou.

Despejara sobre os antigos vilões - agora - ainda que tarde - seres em evolução, verdades (duras verdades), que pareceram surtir efeito.

O mundo dá voltas. Tantas voltas!

Hoje tenho uma mãe que luta para manter-se viva, pois ainda percebe o quanto precisa aprender a esquecer.

Hoje tenho um pai que se esquecera de si a fim de cuidar - como um cão faz ao seu dono - daquela em quem tanto pisara, outrora.

Hoje, com um misto de tristeza profunda e alegria sem par, vejo naquele homem que em 44 anos de vida, jamais fizera por merecer o título de pai, transformado pelo remorso e pela culpa, em um ser ainda sem rumo, porém, com um digno propósito: o de recuperar o tempo perdido entre a luxúria e o egoísmo.

Hoje, poderei, finalmente, com o coração aberto, chamá-lo de Pai, ainda que tarde.

Hoje, lembrando-me das duras palavras que lhe dirigira naquela mesa, choro.  Dissera-lhe que morreria sozinho, sem ter alguém que lhe doasse o carinho e amor que por tantos anos nos negara.  Vira lágrimas escorrendo em seu rosto rude pela primeira vez em meus 44 anos de vida.

Tudo muda. "Tudo passa".

Ele - meu Pai - provara que não há tempo para mudar. Não importa o tamanho da mudança. Quando o vejo a socorrer aquela a quem tanto magoara, passando-lhe as mãos em seus cabelos brancos e já em desalinho, percebo que a Vida é uma grande escola que não permite reprovações.  Oferece-nos, dia após dia; ano após ano; vidas após vidas o direito à Aprovação.

Hoje, poderei abraçar o meu Pai e sentir o seu embaraço - e emoção - diante de nosso reconhecimento por seu esforço em mudar...

Na hora do banho:

Após um leve deslize, a antiga "Senhora de Engenho" tomara conta daquele corpo franzino. Praguejara por ter voltado ao hospital diante da insanidade que a todos preocupava. 

Ouvira - já em seu lar - com uma pontinha de soberba que lhe fora dada uma nova chance. Mais uma chance para que nada mais restasse daquela mulher severa que outrora habitara um corpo perfeito, belo e com um coração faminto por vingança.

Hoje, antes do tão temido banho, ao perceber que a paciência de todos os que com ela convivem já estaria chegando ao fim, deixando-a triste, encontrara-a encolhidinha em sua cama a fitar o teto. Dera-lhe um demorado abraço e sussurrara-lhe em seus ouvidos: "Mãe, eu sei o que se passa em sua mente. Quer um conselho? Tente não pedir muito. Chame-os somente quando for extremamente necessário. A senhora me entende?"

Com os olhinhos miúdos, cheios de lágrimas, respondera que sim. Pedira-me perdão pelo que dissera no hospital.  

"Não há o que perdoar, mãe. A senhora sabe que eu te amo?"
"Sei. Eu também."

Não há palavras que reproduzam o que sinto ao ver aqueles que me puseram neste mundo. Não. Não há.

Somente as lágrimas que cismam em deslizar pelo meu rosto podem contar o que sinto.

http://youtu.be/WjLJN4XFoWE

11/08/2013 - 10h37m