"Entre dois Mundos"

"Entre dois Mundos"

quarta-feira, 5 de março de 2014

Monstror (Eric Lacombe)

Frio

Custara a aprender, mas aprendera. 

Os frios não sofrem. Os frios aproveitam-se dos que têm emoções. Os frios são feios, são fétidos, embora façam o uso de máscaras, por vezes, lindíssimas.

Os frios não necessitam de amor. Necessitam de alguém que os sirva.

Os frios são feios...

Os frios - por vezes - convivem entre os emocionais - idiotas emocionais - por muito tempo, sugando-lhes a jovialidade, a doçura, a inocência.

Os frios - após a utilização calculista de emocionais - jogam-nos fora, como um monte de bosta que verdadeiramente o são.

Vez por outra, os frios nascem do ventre de emocionais. Comem-lhe as entranhas e encondem-se, por anos, até que possam - com a frieza - matar, pouco a pouco, aquelas que os parira.

Os frios nos cercam...

Os frios nos adoecem, nos maltratam, nos matam. Tiram-nos a vontade de viver.

Tenho-lhes nojo.

A partir de hoje, aprenderei a conviver com os frios.  Sorrirei somente àqueles que me pagarem com a vil moeda.

Aos que nada me doarem além de desprezo, jamais sorrirei. Jamais oferecerei meu colo onde - em alguns momentos - fingiram chorar.

Os frios nos cercam.

Terei de matar também a criança que vive em mim? Já não fora o bastante matar a mulher lasciva?

Que os deuses me ajudem a endurecer meu coração imbecil!

06/03/2014 - 14h43m

terça-feira, 4 de março de 2014

Il Divo - Adagio

Herança Maldita

Somente agora, Mandy. Somente hoje pudera compreender a aflição que sentira durante dias, desejando descarregar no papel o que sentira ao abraçá-la após a tua partida.


Desejara contar a todos que a pegara em meus braços e rodáramos juntos como crianças que brincam no parque após anos de separação.

Dias querendo expressar a admiração em vê-la de pé, sobre suas próprias pernas, firme a fitar-me com ternura, tendo dois amigos ao teu lado.

Sentira que duas mãos libertaram-me sussurrando em meus ouvidos: "Corra...vá ao encontro de tua mãe!".

(...)

- "Mãe! Mãe! Eu te amo!" só disso me lembro de ter-lhe dito.

Acordara e desde então lembrara-me do abraço e da tristeza que desvendara em teu rostinho já sem rugas.

Passara dias lembrando-me de um apelo, de um pedido. Mas, Mandy, não me lembrara do que me pediras! Fora preciso outro encontro para que tudo fosse esclarecido.

Fora preciso mais duas visitantes - duas almas antigas - a fim de reforçar o que já havia compreendido há muito, mas fizera questão de tentar driblar minha consciência.

Hoje - pela manhã - acordara com dores no corpo e com uma tristeza profunda. Tão profunda que preferira não voltar ao corpo.

Pensara em minha vida, nas oportunidades perdidas, pensara que algumas delas foram-me tiradas por tua intervenção, Mandy. Mas em meu coração já não havia mais espaço para a mágoa com relação a ti, Mandy querida.

Olhara para a figura Dele, fixa em minha geladeira e, entre um gole d'água e outro - viera-me á mente - com imensa clareza - o encontro que esclareceria de vez o mistério de tua tristeza.

Tu fostes atrás de duas personagens de minha infância, Mandy. Lembrara do que outrora contara-lhe sobre a tristeza de viver sem ter sido amada por elas. Por ter sido preterida, enquanto via - ainda com os olhos de uma criança que nada entende - as duas personagens encherem de carinho meus outros primos e minha irmã, deixando-me em um canto escuro, à margem daquela pequena sociedade. E eu que tanto sorrira em minha infância, carente de um outro sorriso que não viera enquanto elas - as personagens - ainda aqui na Terra residiam.

Nessa vida, jamais poderei conhecer qual das almas eternas começara a errar. De quem partira a primeira pedra, portanto, jamais poderei julgá-las. No entanto, restara-me ainda a lembrança triste.

Tu Mandy, fora à procura delas e as trouxera ao meu encontro.  Vira-as - pela primeira vez em quase 30 anos - após terem abandonado esse mundo.

Um Plano Superior reunira-nos naquela sala branca e embaçada (aos meus olhos) onde nada vira além de vocês.

Mandy, como elas rejuvenesceram! Como pudera reconhecê-las sem o peso que carregavam enquanto na Terra!? 

Receberam-me com um sorriso que nunca tivera em vida! Receberam-me com um amplexo que jamais sentira na infância. Ainda consigo a senti-lo...

Soubera - de alguma forma - que estava diante de minha avó paterna e de minha tia, sua filha mais velha que tanto sofrera por conta da solidão.

Lembro-me de ter chorado tanto (e ainda choro muito ao escrever) a ponto de cair de joelhos e ser auxiliada por minha avó que - nova e bela - sorrira um sorriso doce que tanto desejara enquanto criança.

Lendo meus pensamentos ambas abraçaram-me por muito tempo.

Perdera a noção de tudo. Só conseguira chorar e chorar e lavar a mágoa guardada por tantos e tantos anos nesse coração que tanto sofre.

Ali, Mandy querida, a frieza que nos separara em vida terrena dissipara-se para sempre.

Obrigada, Mandy.

Eu sei. Não fora tão somente por isso que fizestes tudo isso. Fora para me alertar.

Pensara em trazer aquelas que conviveram com aquele que me pusera no mundo para entender que carrego comigo a Herança Maldita. Aquela que fizera parte da vida de cada uma de nós, de formas diferenciadas, trazendo a tristeza, a discórdia, a dor.

Eu sei, Mandy. Eu sei...eu sou alcoólatra. Eu sou alcoólatra.

Como dói...

(...)

Recusara-me  (ou fingira) a crer que dois ou três cálices de vinho, à noite, em minha casa torna-me-iam uma alcóolatra. Porém, como mentir para o mundo espiritual? Como trapacear minha própria consciência?

Consciência que gritara tantas vezes "Não compre essa garrafa!", "Não saia de casa a essa hora para comprar bebida!".

"Só bebo em casa", "Bebo para relaxar os músculos", "Bebo e não faço nada além de dormir". Essas foram algumas das muitas frases que repetira a fim de convencer-me de que não sou viciada. De que não herdara o gene maldito que acabara com o ser que me pusera no mundo e que hoje perambula por aí, errante e errado.

Aquilo que destruíra minha família tornara-se minha companhia em noites de tristeza.

Como somos controversos.

Agora tudo fica claro!  Tua tristeza no primeiro encontro, a presença bendita de minha avó e de minha tia (que também herdara a maldição) não foram em vão.

Tudo faz sentido agora, Mandy. Tu não queres que eu siga o mesmo caminho.

Mas é muito difícil a vida aqui embaixo,Mandy. Pesada demais. Solitária demais.

Não tenho o amor de ninguém. Não recebo o abraço de ninguém.

Mandy, tu me deixastes a Solidão como herança.

Eu sei. Sou forte, todos o dizem.

Mas a criança triste com um sorriso no rosto ainda existe aqui dentro, Mandy. Eu preciso de alguém que me dê a mão e me carregue só por alguns minutos...

Sim, Mandy. Por mim, por meu filho que parece não me amar e por ti, eu o farei. Tentarei, mas estou com medo.

Grata, Mandy, por me fazer apagar o passado e ver minha avó e tia com outros olhos. A mágoa fora embora, Mandy. Não é incrível!?

Elas brincaram comigo, Mandy!

(...)

Foi incrível...

Te amo, mãe. Se puder, ajude-me.


04/03/2014 - 20h30m