"Entre dois Mundos"

"Entre dois Mundos"

sábado, 10 de agosto de 2013

"...o que é de Cesar."

Há um ano atrás jamais poderia imaginar o que ora escrevo. Há um ano atrás não possuía sentimentos positivos por aqueles que me puseram neste mundo confuso, estranho, cinza, triste e, ainda, difícil de se habitar.

Quem poderia supor que o ex-tirano, recém-redimido, tornar-se-ia o companheiro fiel das últimas horas "daquela que nunca fora amada" até então?

Quem poderia imaginar que os antigos comparsas, em vidas passadas, estariam frente à frente, nos últimos dias da antiga "Senhora de Engenho" que costumava arrancar os bicos dos seios de suas escravas - amantes cativas - a fim de não alimentarem os frutos da união com aquele escravo a quem ela - a Senhora - desejara enlouquecedoramente há alguns séculos passados?

Deus! É tudo tão esclarecedoramente triste! Tão desconcertantemente correta a Lei do Retorno, em alguns casos que, a dor - imensa dor - de ver dois seres que acompanharam meus passos, ainda que de longe, sofrerem e - finalmente - aprenderem com seus sofrimentos que ninguém é de ninguém, parece-me surreal.

Aprenderem que o ódio aprisiona. Que a mágoa adoece. Que a deslealdade massacra tanto a vítima quanto o verdugo. Que somente o Amor liberta e faz crescer...

Quantos séculos serão necessários para que aprendamos a não precisar perdoar por não nos sentirmos ofendidos?

Após 44 anos de vida, vira a crueldade, a infidelidade, o rancor, o ódio, a mágoa, a doença decorrente de tais sentimentos.

Vira a insanidade dos desleais, a revolta dos traídos e esquecidos.

Vira um corpo murchar em vida por sentir-se jogado fora.  Ouvira o silêncio dos injustos. Vira a queda de um tirano. Vira a transformação do ódio em uma piedade ainda que com leves toques de ressentimento.

Falara o que estava guardado há anos. O que me tornara o ser errante que hoje sou.

Despejara sobre os antigos vilões - agora - ainda que tarde - seres em evolução, verdades (duras verdades), que pareceram surtir efeito.

O mundo dá voltas. Tantas voltas!

Hoje tenho uma mãe que luta para manter-se viva, pois ainda percebe o quanto precisa aprender a esquecer.

Hoje tenho um pai que se esquecera de si a fim de cuidar - como um cão faz ao seu dono - daquela em quem tanto pisara, outrora.

Hoje, com um misto de tristeza profunda e alegria sem par, vejo naquele homem que em 44 anos de vida, jamais fizera por merecer o título de pai, transformado pelo remorso e pela culpa, em um ser ainda sem rumo, porém, com um digno propósito: o de recuperar o tempo perdido entre a luxúria e o egoísmo.

Hoje, poderei, finalmente, com o coração aberto, chamá-lo de Pai, ainda que tarde.

Hoje, lembrando-me das duras palavras que lhe dirigira naquela mesa, choro.  Dissera-lhe que morreria sozinho, sem ter alguém que lhe doasse o carinho e amor que por tantos anos nos negara.  Vira lágrimas escorrendo em seu rosto rude pela primeira vez em meus 44 anos de vida.

Tudo muda. "Tudo passa".

Ele - meu Pai - provara que não há tempo para mudar. Não importa o tamanho da mudança. Quando o vejo a socorrer aquela a quem tanto magoara, passando-lhe as mãos em seus cabelos brancos e já em desalinho, percebo que a Vida é uma grande escola que não permite reprovações.  Oferece-nos, dia após dia; ano após ano; vidas após vidas o direito à Aprovação.

Hoje, poderei abraçar o meu Pai e sentir o seu embaraço - e emoção - diante de nosso reconhecimento por seu esforço em mudar...

Na hora do banho:

Após um leve deslize, a antiga "Senhora de Engenho" tomara conta daquele corpo franzino. Praguejara por ter voltado ao hospital diante da insanidade que a todos preocupava. 

Ouvira - já em seu lar - com uma pontinha de soberba que lhe fora dada uma nova chance. Mais uma chance para que nada mais restasse daquela mulher severa que outrora habitara um corpo perfeito, belo e com um coração faminto por vingança.

Hoje, antes do tão temido banho, ao perceber que a paciência de todos os que com ela convivem já estaria chegando ao fim, deixando-a triste, encontrara-a encolhidinha em sua cama a fitar o teto. Dera-lhe um demorado abraço e sussurrara-lhe em seus ouvidos: "Mãe, eu sei o que se passa em sua mente. Quer um conselho? Tente não pedir muito. Chame-os somente quando for extremamente necessário. A senhora me entende?"

Com os olhinhos miúdos, cheios de lágrimas, respondera que sim. Pedira-me perdão pelo que dissera no hospital.  

"Não há o que perdoar, mãe. A senhora sabe que eu te amo?"
"Sei. Eu também."

Não há palavras que reproduzam o que sinto ao ver aqueles que me puseram neste mundo. Não. Não há.

Somente as lágrimas que cismam em deslizar pelo meu rosto podem contar o que sinto.

http://youtu.be/WjLJN4XFoWE

11/08/2013 - 10h37m

Um comentário:

  1. Não tenho palavras, seus sentimentos foram os meus em 2010, força menina.........

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