Quem poderia supor que o ex-tirano, recém-redimido, tornar-se-ia o companheiro fiel das últimas horas "daquela que nunca fora amada" até então?
Quem poderia imaginar que os antigos comparsas, em vidas passadas, estariam frente à frente, nos últimos dias da antiga "Senhora de Engenho" que costumava arrancar os bicos dos seios de suas escravas - amantes cativas - a fim de não alimentarem os frutos da união com aquele escravo a quem ela - a Senhora - desejara enlouquecedoramente há alguns séculos passados?
Deus! É tudo tão esclarecedoramente triste! Tão desconcertantemente correta a Lei do Retorno, em alguns casos que, a dor - imensa dor - de ver dois seres que acompanharam meus passos, ainda que de longe, sofrerem e - finalmente - aprenderem com seus sofrimentos que ninguém é de ninguém, parece-me surreal.
Aprenderem que o ódio aprisiona. Que a mágoa adoece. Que a deslealdade massacra tanto a vítima quanto o verdugo. Que somente o Amor liberta e faz crescer...
Quantos séculos serão necessários para que aprendamos a não precisar perdoar por não nos sentirmos ofendidos?
Após 44 anos de vida, vira a crueldade, a infidelidade, o rancor, o ódio, a mágoa, a doença decorrente de tais sentimentos.
Vira a insanidade dos desleais, a revolta dos traídos e esquecidos.
Vira um corpo murchar em vida por sentir-se jogado fora. Ouvira o silêncio dos injustos. Vira a queda de um tirano. Vira a transformação do ódio em uma piedade ainda que com leves toques de ressentimento.
Falara o que estava guardado há anos. O que me tornara o ser errante que hoje sou.
Despejara sobre os antigos vilões - agora - ainda que tarde - seres em evolução, verdades (duras verdades), que pareceram surtir efeito.
O mundo dá voltas. Tantas voltas!
Hoje tenho uma mãe que luta para manter-se viva, pois ainda percebe o quanto precisa aprender a esquecer.
Hoje tenho um pai que se esquecera de si a fim de cuidar - como um cão faz ao seu dono - daquela em quem tanto pisara, outrora.
Hoje, com um misto de tristeza profunda e alegria sem par, vejo naquele homem que em 44 anos de vida, jamais fizera por merecer o título de pai, transformado pelo remorso e pela culpa, em um ser ainda sem rumo, porém, com um digno propósito: o de recuperar o tempo perdido entre a luxúria e o egoísmo.
Hoje, poderei, finalmente, com o coração aberto, chamá-lo de Pai, ainda que tarde.
Hoje, lembrando-me das duras palavras que lhe dirigira naquela mesa, choro. Dissera-lhe que morreria sozinho, sem ter alguém que lhe doasse o carinho e amor que por tantos anos nos negara. Vira lágrimas escorrendo em seu rosto rude pela primeira vez em meus 44 anos de vida.
Tudo muda. "Tudo passa".
Ele - meu Pai - provara que não há tempo para mudar. Não importa o tamanho da mudança. Quando o vejo a socorrer aquela a quem tanto magoara, passando-lhe as mãos em seus cabelos brancos e já em desalinho, percebo que a Vida é uma grande escola que não permite reprovações. Oferece-nos, dia após dia; ano após ano; vidas após vidas o direito à Aprovação.
Hoje, poderei abraçar o meu Pai e sentir o seu embaraço - e emoção - diante de nosso reconhecimento por seu esforço em mudar...
Na hora do banho:
Após um leve deslize, a antiga "Senhora de Engenho" tomara conta daquele corpo franzino. Praguejara por ter voltado ao hospital diante da insanidade que a todos preocupava.
Ouvira - já em seu lar - com uma pontinha de soberba que lhe fora dada uma nova chance. Mais uma chance para que nada mais restasse daquela mulher severa que outrora habitara um corpo perfeito, belo e com um coração faminto por vingança.
Hoje, antes do tão temido banho, ao perceber que a paciência de todos os que com ela convivem já estaria chegando ao fim, deixando-a triste, encontrara-a encolhidinha em sua cama a fitar o teto. Dera-lhe um demorado abraço e sussurrara-lhe em seus ouvidos: "Mãe, eu sei o que se passa em sua mente. Quer um conselho? Tente não pedir muito. Chame-os somente quando for extremamente necessário. A senhora me entende?"
Com os olhinhos miúdos, cheios de lágrimas, respondera que sim. Pedira-me perdão pelo que dissera no hospital.
"Não há o que perdoar, mãe. A senhora sabe que eu te amo?"
"Sei. Eu também."
Não há palavras que reproduzam o que sinto ao ver aqueles que me puseram neste mundo. Não. Não há.
Somente as lágrimas que cismam em deslizar pelo meu rosto podem contar o que sinto.
http://youtu.be/WjLJN4XFoWE
11/08/2013 - 10h37m
Não tenho palavras, seus sentimentos foram os meus em 2010, força menina.........
ResponderExcluir